Auditora aponta “sistema da dívida” e alerta para maior fragilização das finanças dos estados

A auditoria da dívida do Rio Grande do Sul com a União e o Sistema Financeiro foi o tema abordado na audiência pública desta segunda-feira (29) da Comissão de Finanças, Planejamento, Fiscalização e Controle, realizada dentro do seminário Transparência e Cidadania – Dívida Pública, Previdência e Justiça Social – promovido por entidades vinculadas aos órgãos de controle público. A auditora federal Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, mostrou as origens da dívida e sua complexa relação através da influência de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, e alertou para mudanças na Constituição Federal que poderão fragilizar ainda mais a capacidade de investimento estatal e o suprimento do serviço público, como aconteceu recentemente na Grécia. O deputado Luis Augusto Lara (PTB), proponente do tema, presidiu a audiência pública.Origem da dívida
A auditora federal Maria Lúcia Fattorelli, da organização sem fins lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida, recapitulou a origem da dívida gaúcha, que é a mesma dos demais estados brasileiros e se iniciou na década de 70, ainda sob o regime militar. As dívidas externas se transformaram em dívidas internas e houve incentivo para que emitissem títulos, autorizadas por resoluções do Senado Federal. “Sem mencionar o agente credor, e grande parte delas sem mencionar onde seriam aplicados os recursos”, apontou. Conforme Maria Lúcia, somou-se ainda o impacto da alta unilateral dos juros pelos bancos internacionais, processo que afetou tanto a dívida federal quanto as dívidas estaduais. “Essa dívida externa majorada foi transformada em dívida interna e os estados passaram a emitir títulos, vendidos com deságio enorme porque competiam com os títulos federais e aplicando juros absurdos devido à política monetária da esfera federal que se refletia nos entes federados”, explicou. Foi nessas condições que os estados passaram a viver sob a Lei 9.496, de 11 de setembro de 1997, que estabelece critérios para a consolidação, a assunção e o refinanciamento, pela União, da dívida pública mobiliária e outras que especifica, de responsabilidade dos estados e do Distrito Federal.

Nesse novo contexto, explicou a auditora, o refinanciamento da dívida adicionou o passivo dos bancos estatais que seriam privatizados. No caso do Rio Grande do Sul, o passivo do Banrisul foi adicionado ao estoque da dívida, com a atualização monetária mensal cumulativa pelo IGPDI, “o índice de atualização mais alto do planeta”, resultando numa bola de neve. Maria Lúcia assegura que a dívida já foi paga duas vezes e “é um processo que exige uma completa auditoria desde a sua origem”, referindo-se à renegociação que suspendeu os pagamentos durante seis meses e depois serão retomados por mais 20 anos.

Alerta que veio da Grécia
A auditora federal alerta que todo o cenário de paralisia dos estados pela dívida com a União, somado à falta de transparência, está autorizando a formação de empresas ligadas ao que ela denomina “sistema da dívida”. “Esse esquema é semelhante ao que foi montado na Europa, que quebrou a Grécia e outros países, utilizando consultorias prestadas com expertise do Fundo Monetário Internacional”, materializadas através de empresas estatais não dependentes, “uma figura que permite que essas empresas contratem administradores sem concurso, não prestem contas e não sejam fiscalizadas”, como seria o caso da InvestPoa, cuja autorização de funcionamento foi dada pela Câmara de Vereadores da capital. São Paulo e Minas Gerais também aprovaram empresas com esse perfil. Maria Lúcia explicou que são empresas estatais, não dependentes, em forma de sociedade anônima, para a emissão de títulos, chamados debêntures. “É um esquema ilegal de geração de dívida pública”, afirmou.

Ela esteve na auditoria da dívida da Grécia e verificou a semelhança de empresas que, naquele país, provocaram a queda de 40% do orçamento em cinco anos, de 5% do PIB, desemprego, fechamento de serviços públicos e provocando suicídios entre jovens e idosos. Explicou que essas empresas anunciam a venda da dívida ativa trazendo recursos para os entes públicos, o que seria uma inverdade, uma vez que a dívida ativa continua sendo cobrada pelos órgãos responsáveis. Essa empresa emite debêntures, que são derivativos lastreados em garantia pública vinculada à dívida ativa, mas se o Estado não arrecada, a dívida ativa tem que garantir a debênture do mesmo jeito. “O que está sendo vendido é um papel financeiro, com deságio que chega a 50%, pagando juros de 23%, de tal maneira que o valor pago pelo investidor volta para ele em menos de dois anos”, afirmou. “Estou denunciando porque é um esquema ilegal”, repetiu a auditora, “na prática configura emissão de títulos da dívida pública”, alertando que tramita no Senado Federal o PLS 204/2016, de autoria do senador José Serra (PSDB/SP), que dá garantia jurídica a essa situação através da “cessão de direito creditórios, vinculados à dívida ativa e a créditos também não inscritos na dívida ativa”.

Sistema aleijado
Ela destacou a importância do debate público sobre o modelo tributário brasileiro que, segundo afirmou, “é aleijado”, uma vez que deveria ser veículo para distribuir a renda cobrando de quem tem mais para que os recursos cheguem ao Estado através das políticas públicos, promovendo a justiça social. Mas o sistema é invertido e os benefícios são destinados aos que têm capacidade produtiva enquanto os que menos têm são os que proporcionalmente mais pagam, “uma vez que mais de 60% da carga tributária incide sobre o consumo de forma obscura, sem respeitar a capacidade contributiva”. Defendeu o imposto para grandes fortunas e disse que a cobrança de 5% em fortunas superiores a R$ 50 milhões, que representam meio por cento da população economicamente ativa e detém 43% do patrimônio declarado à Receita Federal, resultaria em R$ 90 bilhões de arrecadação.

Da mesa participaram o subsecretário do Tesouro, Leonardo Maranhão Busatto; pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado, Álvaro Fakredin; o procurador-adjunto paras Assuntos Jurídicos, Leandro Augusto Nicola de Sampaio; pelo Tribunal de Justiça, a desembargadora Denise Oliveira Cezar; pelo Ministério Público, a subprocuradora-Geral Ana Cristina Cusin Petrucii; pelo Ministério Público de Contas, o auditor público externo Gerson Luiz da Fonseca; pela Defensoria Pública, o defensor Rafael Pinheiro Machado; pela OAB/RS, o presidente da Comissão Especial de Controle Social dos Gastos Públicos, Mário Epstein; e pelo Tribunal de Contas, o auditor público externo Luis Fernando Alcoba de Freitas.

À tarde, o Seminário Transparência e Cidadania ouviu Pedro Gabril, Denise Gentil e Dão Real Pereira dos Santos sobre Cidadania, Previdência e Justiça Social.

 

Francis Maia – MTE 5130 | Agência de Notícias – 18:00-29/08/2016 – Edição: Sheyla Scardoelli – MTE 6727 – Foto: Juarez Junior
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