Auditora critica esquema gerador de dívida pública

CONTAS PÚBLICAS

Maria Lúcia discorda da emissão de debêntures pelo InvestPOA

Adriana Lampert
O processo de “entrega de patrimônio público” do País tem se tornado “cada vez mais estratégico e lucrativo”, nas palavras da auditora aposentada da Receita Federal Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida. Ela esteve em Porto Alegre na manhã de ontem para palestrar durante o Seminário Transparência e Cidadania, promovido pela Assembleia Legislativa do Estado. Em sua fala, denunciou um esquema gerador de dívida pública já em curso em alguns estados brasileiros, semelhante ao que levou a Grécia a perder 40% do orçamento em cinco anos, reduzindo 30% do PIB e elevando o desemprego que atingiu a juventude daquele país em 70%. “Há uma falsa propaganda deflagrada por empresas de consultoria atuantes no mercado de que a criação de estatais que emitem debêntures irão vender a dívida ativa incobrável e gerar recursos para os entes públicos”, afirmou a auditora aposentada. “Esse esquema é ilegal”, destacou Maria Lúcia, que considera o sistema da dívida pública como um dos elementos centrais da crise no País.
A auditora explica que um dos títulos emitidos por estas empresas (a exemplo da Companhia Paulista de Securitização e da InvestPOA) ao mercado financeiro, paga juros de 23%. “Estamos falando de companhia independentes, que têm toda a garantia do Estado. E quem compra são os mesmos bancos que fazem a administração financeira das debêntures, de forma que o valor pago pelo investidor volte em dois anos.” Ao comparar com o que ocorreu na economia europeia, a auditora lembra que o esquema de venda de títulos não só é incapaz de amenizar a dívida pública, como gera ainda mais ônus aos governos. “O resultado nós vimos na Grécia, com o fechamento de serviços públicos e suicídio em massa, principalmente de jovens e de idosos que perderam a aposentadoria, entre outras consequências terríveis”, alertou.
Maria Lúcia chamou a atenção para o fato de que o Projeto de Lei do Senado nº 204/2016, de autoria do ministro das Relações Exteriores, José Serra – que dispõe sobre a cessão de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários dos entes da Federação, regularizando empresas do gênero – chegou ao Plenário sem ter passado por nenhuma comissão. “Este documento só não foi votado ainda porque nós da Auditoria Cidadã da Dívida alertamos aos senadores.” A auditora apontou ainda outros projetos que, segundo ela, reduzem investimentos sociais para destinar mais recursos ao pagamento de juros da dívida pública. “Exemplo disso é o PLP nº 257/2016 (que propõe o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal), que faz um verdadeiro desmonte do Estado brasileiro para servir ao pagamento de dívidas nunca auditadas.”

Debatedores defendem que a sociedade deve controlar e monitorar gastos governamentais

A PEC nº 143/2015, que “representa a morte do SUS” e as propostas de reforma da Previdência e Trabalhista, bem como o aumento da Desvinculação das Receitas da União (DRU) foram duramente criticadas pela auditora aposentada da Receita Federal Maria Lúcia Fattorelli, durante o Seminário Transparência e Cidadania, da Assembleia Legislativa do Estado. Assim como ela, o deputado estadual Luís Augusto Lara, vice-presidente da Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa, e o vice-presidente de Relações Institucionais do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRCRS), Pedro Gabril, defenderam um controle e monitoramento maior dos cidadãos no que se refere às contas públicas e orçamento dos governos.
“A dívida pública é uma das despesas que mais castiga o Estado”, afirmou Lara. O vice-presidente da Comissão de Finanças criticou o alongamento da dívida em 20 anos, em troca de uma trégua de seis meses. “No que se refere à receita estadual, temos também que estar atentos à transparência dos benefícios fiscais, muitas vezes desconhecidos até mesmo do Tribunal de Contas”, declarou. O coordenador do Projeto Observatório Social no Rio Grande do Sul, lembrou que as leis de Responsabilidade Fiscal e de Acesso à Informação amparam a participação popular no acompanhamento e fiscalização da gestão pública.
“O que falta é os cidadãos despertarem para o fato de que podemos monitorar e interferir na qualidade da gestão pública dos governos”, declarou. Exemplo de atuação neste sentido, o Observatório Social de Porto Alegre completou recentemente 12 meses de atividade com resultados concretos. Composto por 30 voluntários, o grupo analisou 78 processos, sendo 62 licitações e três contratos. “Destes, 18 licitações foram contestadas e nove foram canceladas para correções”, relatou.

Brasil defenderá combate à evasão tributária na reunião do G-20 que será realizada na China

A aceleração das discussões sobre o combate à evasão tributária será um dos principais pontos defendidos pelo Brasil na reunião dos presidentes e dos primeiros-ministros do G-20 (grupo das 20 maiores economias do planeta), que ocorrerá nos dias 4 e 5 de setembro em Hangzhou, na China. Segundo o Ministério da Fazenda, o encontro deverá resultar em avanços importantes na tributação de capitais que se aproveitam de brechas internacionais para migrar para países com impostos mais baixos ou para paraísos fiscais – onde não pagam tributo algum.
Segundo o ministério, um dos pontos de debate será a tributação de empresas multinacionais que burlam a legislação para não pagar impostos tanto nos países onde estão instaladas quanto nos países-sede. O ministério destaca que as discussões estão avançadas com vários países ratificando o acordo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para a troca automática de informações tributárias, de movimentação de recursos e do patrimônio de contribuintes.
Em junho, o Brasil ratificou o acordo da OCDE assinado em 2014. A partir de 2018, a Receita Federal passará a informar automaticamente aos países do grupo sobre movimentações de estrangeiros e, em troca, receberá dados de brasileiros no exterior. O Brasil não integra a OCDE, mas tem acordos de parceria com a organização, que reúne 34 países industrializados.
Além do acordo com a OCDE, o Brasil repassa automaticamente informações aos Estados Unidos por meio do Ato de Conformidade Fiscal de Contas Estrangeiras (Fatca, na sigla em inglês). Ratificado pelo Congresso Nacional em julho do ano passado, o acordo abrange contribuintes de um país com contas-correntes com saldo de pelo menos US$ 50 mil em outro país. Em troca, os Estados Unidos fazem o mesmo.
Outro ponto importante a ser debatido na reunião de cúpula do G-20, de acordo com o Ministério da Fazenda, será a regulação do fluxo internacional de capitais. A OCDE está revisando o código de liberalização do movimento de capitais, que tem 60 anos, para tentar conter a volatilidade dos fluxos financeiros, que podem ser retirados quase instantaneamente de países em momentos de crises internacionais. Segundo o ministério, a volatilidade no capital financeiro cria dificuldades para a economia real de vários países em momentos de turbulência global.
O governo brasileiro defenderá a continuidade das reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI). O Ministério da Fazenda esclarece que a ampliação das cotas dos países emergentes não tem impacto sobre o orçamento brasileiro, nem sobre a meta de déficit primário – resultado negativo desconsiderando o pagamento de juros da dívida pública. Isso ocorre porque os aportes de capitais do Brasil no FMI saem das reservas internacionais, atualmente em US$ 377 bilhões.
Em vez de aplicar o dinheiro das reservas externas em títulos do Tesouro americano, o Banco Central adquire direitos especiais de saque no FMI. A operação apenas muda a composição das reservas internacionais, sem afetar o volume delas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deve embarcar para a China com o presidente interino Michel Temer amanhã.
foto : MARCELO G. RIBEIRO/JC
Fonte: Jornal do Comércio
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