Entidades e especialistas já projetam judicialização de pacote de Leite

Questionamentos se darão sobre escalonamento e progressão de alíquotas, realidade do déficit e estabelecimento de grupos distintos

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Flavia Bemfica
Eduardo Leite tem centrado a argumentação em dois números: o de que as mudanças terão impacto fiscal de R$ 25 bilhões em 10 anos e o de que o déficit atuarial do sistema previdenciário do Estado alcançaria R$ 373 bilhões

Eduardo Leite tem centrado a argumentação em dois números: o de que as mudanças terão impacto fiscal de R$ 25 bilhões em 10 anos e o de que o déficit atuarial do sistema previdenciário do Estado alcançaria R$ 373 bilhões 

Após as primeiras apresentações das propostas que o governo do Estado pretende enviar à Assembleia Legislativa com mudanças nas carreiras e na previdência do funcionalismo estadual, entidades que representam servidores e especialistas já analisam quais os pontos deverão ser alvo de questionamentos judiciais. Ate agora, com ampla vantagem, os itens referentes à previdência encabeçam a lista. “Sim, o PowerPoint apresentado pelo governo tem muitos pontos passíveis de judicialização. Para começar: questões relacionadas à previdência, como as alíquotas escalonadas e a cobrança de inativos. Há também pontos referentes aos triênios e até o que pretendem sobre a organização sindical. Mas, como nem o governo parece ter clareza sobre o que está propondo, apresenta contas etéreas sem detalhar como chegou a elas e até agora não materializou projetos, o que estamos discutindo efetivamente é o PowerPoint”, ironiza o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do RS (Fessergs), Sérgio Arnoud.

O fato de o governo garantir que vai seguir as regras aprovadas na reforma da previdência, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6, que tramita no Senado, não diminui as chances de judicialização, segundo o conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Marcelo Barroso.  “Existe a tendência de judicialização no RS porque, também na PEC 6, o que se prepara são questionamentos a respeito do princípio do não confisco. E isso provavelmente será arbitrado ao final pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As decisões anteriores do STF estabelecem que o princípio do não confisco tem que ser aplicado no conjunto da carga tributária, ou seja, sobre a soma dos descontos. E, da parte dos servidores, qualquer valor acima de 14% não será aceito passivamente. Então a tendência é de que, juridicamente, o debate se estenda bastante”, aponta.

O presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Cláudio Martinewski, tem entendimento semelhante. Ele projeta que a judicialização das medidas se dará principalmente em relação às alíquotas escalonadas e progressivas e de sua relação ao princípio do não confisco. Entra na lista a possibilidade de que aposentados passem a descontar para a previdência não apenas a partir dos valores que extrapolam o chamado teto do INSS (R$ 5.839,45, em valores atuais) e sim a partir do que ultrapassar um salário mínimo. Se implementada, a medida vai atingir de forma ampla inativos do magistério estadual. Na Secretaria da Educação o número de vínculos de inativos já supera em muito o de ativos e a tendência segue em alta. Em agosto, conforme os dados do governo, eram 110.844 inativos (com custo de R$ 354 milhões) para 75.670 ativos (com custo de R$ 210 milhões).

“A questão de não confisco em termos de Brasil ainda não é sedimentada, mas, a partir de 16%, já há margem significativa para discussão. Na prática, não estão mexendo apenas na alíquota, estão modificando a base de cálculo. Nos debates daqui para a frente também ganhará destaque o fato de que, apesar de isso não receber grande divulgação, o imposto de renda dos servidores estaduais é integralmente destinado ao caixa único Estado, ele não fica com a União”, assinala.

Outro ponto que já enfrenta questionamentos é o dos números referentes aos déficits e projeções de economia que vêm sendo apresentados pelo Executivo. Nos eventos de divulgação das medidas, o governador Eduardo Leite tem centrado a argumentação em dois números: o de que as mudanças terão impacto fiscal de R$ 25 bilhões em 10 anos e o de que o déficit atuarial do sistema previdenciário do Estado alcançaria R$ 373 bilhões. Mas não fornece maiores detalhamentos, como o impacto fiscal anual previsto para cada uma das mudanças, ou as tabelas que consolidam a projeção do sistema. O déficit atuarial mostrado pelo Executivo já vem sendo alvo de questionamentos da União Gaúcha e do Conselho de Administração do IPERGS. “Como já é de conhecimento público, existe um estudo sólido do Tribunal de Contas sobre a inconsistência dos dados apresentados”, lembra Martinewski.

O fato de Leite dar destaque para o déficit atuarial do sistema previdenciário também já fez crescerem as expectativas sobre que, entre os projetos, o Executivo inclua uma proposta de adoção de alíquotas extraordinárias de contribuição previdenciária. A possibilidade de alíquotas extraordinárias que se somem às ordinárias está prevista na PEC6, para os casos em que ficar comprovado o déficit atuarial do sistema, e com validade de 20 anos. Na prática, a alíquota extraordinária, se adotada, elevaria contribuições para além dos 22% previstos no âmbito federal e dos 18% planejados no RS. A PEC não estabelece percentuais, mas prevê fatores a serem levados em conta nas fórmulas a serem adotadas. “O cálculo para as contribuições extraordinárias estabelece grupos distintos de servidores. Aí é bastante controverso porque a legislação não permite a possibilidade de discriminação por questões específicas. De fato, a discussão judicial ainda nem começou, mas, pela experiência que tenho, o que posso projetar é que as categorias com menor poder de pressão, em termos proporcionais, vão perder mais”, conclui Barroso.

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