Saiu na mídia: ‘A proposta do governo para o IPE Saúde é jogar as pessoas de baixa renda para o SUS’

Presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do TCE-RS afirma que proposta de Leite para o IPE Saúde prejudicará os servidores com menores salários

Por

Luciano Velleda

lucianovelleda@sul21.com.br

Governo diz que o fato de mais da metade dos usuários do IPE Saúde terem acima de 59 anos é um dos fatores de desequilíbrio financeiro. Foto: Carolina Greiwe/Ascom IPE Saúde

Governo diz que o fato de mais da metade dos usuários do IPE Saúde terem acima de 59 anos é um dos fatores de desequilíbrio financeiro. Foto: Carolina Greiwe/Ascom IPE Saúde

O governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou na semana passada sua proposta para a reestruturação financeira do IPE Saúde. Com a articulação política junto aos deputados da base governista na Assembleia Legislativa já iniciada, a expectativa é de que, nas próximas semanas, o projeto chegue ao Parlamento para ser discutido e votado.

Até o momento, a proposta desagradou tanto servidores públicos quanto profissionais médicos. Por parte dos servidores, a principal crítica se refere ao aumento do valor pago pelo segurado, cujo percentual passaria de 3,1% para 3,6%, somado a contribuição dos dependentes com um percentual definido a partir do valor de referência do titular do plano e a idade do dependente, além do aumento na coparticipação em exames e consultas, que passaria de 40% para 50%.

A proposta, na avaliação de Filipe Costa Leiria, presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), irá penalizar os servidores com renda mais baixa e mais idade. Para justificar sua análise, ele dá como exemplo o caso real de uma professora com 20 horas de serviço, um filho autista e um marido com 59 anos como dependente. Atualmente, essa professora paga cerca de R$ 200 por mês e, pela proposta de Leite, passará a pagar em torno de R$ 670.

Por outro lado, o governador, com salário de R$ 35,4 mil, com 38 anos e sem dependente, terá redução de R$ 719,07 por mês. Isso porque, pela proposta formulada, Leite atualmente paga para o IPE Saúde R$ 1.099,32 por mês, e pagará R$ 380,25 pelas novas regras.

Para o auditor público externo do TCE-RS, o exemplo demonstra que a intenção do governo estadual é dificultar financeiramente os servidores de menor renda em se manterem no IPE Saúde, obrigando-os a migrarem para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Essas pessoas não vão conseguir acessar o serviço de saúde e isso é de pleno conhecimento do governo. Há a intenção de que essas pessoas se encaminhem pro SUS”, afirma Leiria, em entrevista ao Sul21.

Também conselheiro da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG), ele critica que o governo estadual veja a situação do IPE Saúde apenas como uma tabela financeira, sem propor mudanças e melhorais no atendimento de saúde, como projetos de telemedicina e medicina preventiva. “É tão somente um reducionismo numa planilha financeira. É disso que se trata e, neste sentido, é muito pobre a proposta.”

Sul21: Como você analisa a proposta do governo estadual para o IPE Saúde?

Filipe: Na essência, a proposta joga todo o ônus de ter que cobrir um déficit desproporcionalmente aos partícipes do IPE Saúde. O governo escolheu carregar mais os parâmetros que não gerem contrapartida para o Estado e, por isso, ele mira nos dependentes. Ao contrário do que o governo vem tentando conseguir como narrativa, dizendo que os dependentes não contribuem, na verdade existe uma coparticipação do dependente que hoje é 40% de participação em procedimentos, sem limite. Se o exame custar R$ 10 mil, o dependente vai pagar R$ 4 mil. Num plano privado há um teto de coparticipação. Só que essa comparação com o plano privado sempre vem de forma seletiva. Achamos que é indevida a comparação do IPE Saúde com um plano privado.

Sul21: Por que indevida?

Filipe: Porque o IPE Saúde é um sistema de saúde contributiva, não é um plano. Se a intenção é transformar o IPE Saúde num plano de saúde, deveria mudar a legislação. O IPE Saúde tem basicamente três contribuições: a do servidor aposentado ou pensionista, a paritária do ente, que hoje é de 3,1% e também 3,1% para o governo, e eventuais aportes. Então ele ainda é um regime de solidariedade. Então mesmo que se queira desfazer esse regime, é necessária uma mudança estrutural e o governo vem apresentando um remendo, talvez porque não quer ter desgaste político da sua real intenção que é desconstituir o IPE.

Filipe Leiria, presidente do Ceape Sindicato. Foto: Divulgação

Sul21: Como assim desconstituir o IPE?

Filipe: Isso fica muito claro quando ele apresenta uma proposta onde quem serão onerados são os baixos salários. Um caso real é o de uma professora de 20 horas, com um filho autista e um marido com 59 anos que é seu dependente, que vai sair de uma contribuição hoje de R$ 200 para algo em torno de R$ 670. Isso vai corresponder mais ou menos a 25% a 30% do salário dela, se considerar os exames que ela vai pagar. Ao passo que o governador, que tem 38 anos e não tem dependente, vai sair de uma contribuição hoje de mil e poucos reais para R$ 300.

Pelos dados que o governo apresenta, a maior massa contributiva está entre os servidores que ganham até R$ 5 mil e tem 59 anos ou mais. Estamos falando de pessoas com baixo poder aquisitivo e idade elevada, e que se for majorada a contribuição, seja de forma direta, passando de 3,1% para 3,6%, seja nas formas indiretas de coparticipação e tabela de exames, vai se criar uma barreira econômica. Essas pessoas não vão conseguir acessar o serviço de saúde e isso é de pleno conhecimento do governo. Há a intenção de que essas pessoas se encaminhem pro SUS.

Sul21: Como o senhor acha que será o debate da proposta, será técnico?

Filipe: O governador é um político que mobiliza, no plano dos simbolismos, argumentos legítimos de que se preocupa com questões da mulher, com a população negra, mas não passa do plano simbólico para o material. Quando chega no plano material, ele utiliza a mesma política de exclusão e retirada de quem têm menos no orçamento. Ele vai colocar uma aparência técnica dizendo que a discussão é sobre números, mas o governo é o principal inadimplente do sistema, retém o IPE Saúde nos precatórios e não repassa desde 2010. A paritária da pensionista de 2015 a 2018, ele só paga o principal, não paga os juros e a mora. Ele se apropria dos imóveis do IPE Saúde e, pela legislação, a receita desses imóveis deveria ser repassada para o IPE Saúde e ele não repassa. Essa inadimplência vai se agravando.

Sul21: Qual o impacto dos últimos anos, incluindo a pandemia, na atual situação do IPE Saúde?

Filipe: A pandemia represou muitos procedimentos e quando houve a retomada, jogou a inflação médica lá pra cima. E tivemos um achatamento nos salários dos servidores. A contribuição do IPE Saúde está indexada a revisão geral anual (dos salários). E o governo não quer abrir esse debate. Então o efeito é o mais deletério possível no IPE Saúde. Houve uma pressão do setor médico, que é legítimo pelo reajuste de tabela, mas não pode ser o único interesse que paute a solução pro IPE Saúde. E o governo cede a isso. A proposta do governo para o IPE Saúde, em última instância, é jogar as pessoas de baixa renda para o SUS.

Sul21: Seria “resolver” o problema do IPE Saúde esvaziando o próprio IPE Saúde?

Filipe: Exatamente. Porque os grandes salários já não vão ficar vinculados ao IPE Saúde, a proposta não cria elementos atrativos, diferentemente do que ele fala. Para além disso, ele faz um reducionismo do IPE Saúde a uma planilha financeira, como se tudo mais estivesse bem. Não tem uma proposta de gestão da medicina. Ele não fala sobre a ampliação de atendimento, não fala até sobre aspectos que funcionaram durante a pandemia… algum projeto de desenvolver a telemedicina. Se deixa de lado coisas importantes como a medicina preventiva.

Se poderia explorar a sinergia do IPE Saúde com a Secretaria da Saúde, o compartilhamento de estruturas remuneradas, compartilhamento de médicos, como forma de criar instrumentos para manter o IPE ativo. Não fala da capacitação de recursos humanos. Então é tão somente um reducionismo numa planilha financeira. É disso que se trata e, neste sentido, é muito pobre a proposta.

Sul21: O governador costuma se apresentar como uma pessoa de diálogo, você acha que isso estará presente nos debates sobre a proposta?

Filipe: O governo utiliza a linguagem do poder. Ele cria essa aparência de imagem política de pretenso diálogo, mas cada vez mais vem incorrendo em contradição. Na “hora H” ele vai utilizar sua base, vai negociar verba orçamentária e emenda. É um governo que atua assim. Vai dar um discurso aparentemente humano, no plano simbólico, mas no plano material e prático está retirando as pessoas (do IPE Saúde). Ele não se sensibiliza com a situação de que, de uma hora pra outra, as pessoas têm um sistema onde pagam R$ 200 e vão passar a pagar até R$ 600. Então outro efeito dessa proposta é a redução real de salário. Além de não conseguir a reposição da inflação, ele agora vai reduzir em termos reais os salários mais pauperizados.

‘A proposta do governo para o IPE Saúde é jogar as pessoas de baixa renda para o SUS’

Presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do TCE-RS afirma que proposta de Leite para o IPE Saúde prejudicará os servidores com menores salários

Por

Luciano Velleda

lucianovelleda@sul21.com.br

Governo diz que o fato de mais da metade dos usuários do IPE Saúde terem acima de 59 anos é um dos fatores de desequilíbrio financeiro. Foto: Carolina Greiwe/Ascom IPE Saúde

Governo diz que o fato de mais da metade dos usuários do IPE Saúde terem acima de 59 anos é um dos fatores de desequilíbrio financeiro. Foto: Carolina Greiwe/Ascom IPE Saúde

O governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou na semana passada sua proposta para a reestruturação financeira do IPE Saúde. Com a articulação política junto aos deputados da base governista na Assembleia Legislativa já iniciada, a expectativa é de que, nas próximas semanas, o projeto chegue ao Parlamento para ser discutido e votado.

Até o momento, a proposta desagradou tanto servidores públicos quanto profissionais médicos. Por parte dos servidores, a principal crítica se refere ao aumento do valor pago pelo segurado, cujo percentual passaria de 3,1% para 3,6%, somado a contribuição dos dependentes com um percentual definido a partir do valor de referência do titular do plano e a idade do dependente, além do aumento na coparticipação em exames e consultas, que passaria de 40% para 50%.

A proposta, na avaliação de Filipe Costa Leiria, presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), irá penalizar os servidores com renda mais baixa e mais idade. Para justificar sua análise, ele dá como exemplo o caso real de uma professora com 20 horas de serviço, um filho autista e um marido com 59 anos como dependente. Atualmente, essa professora paga cerca de R$ 200 por mês e, pela proposta de Leite, passará a pagar em torno de R$ 670.

Por outro lado, o governador, com salário de R$ 35,4 mil, com 38 anos e sem dependente, terá redução de R$ 719,07 por mês. Isso porque, pela proposta formulada, Leite atualmente paga para o IPE Saúde R$ 1.099,32 por mês, e pagará R$ 380,25 pelas novas regras.

Para o auditor público externo do TCE-RS, o exemplo demonstra que a intenção do governo estadual é dificultar financeiramente os servidores de menor renda em se manterem no IPE Saúde, obrigando-os a migrarem para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Essas pessoas não vão conseguir acessar o serviço de saúde e isso é de pleno conhecimento do governo. Há a intenção de que essas pessoas se encaminhem pro SUS”, afirma Leiria, em entrevista ao Sul21.

Também conselheiro da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG), ele critica que o governo estadual veja a situação do IPE Saúde apenas como uma tabela financeira, sem propor mudanças e melhorais no atendimento de saúde, como projetos de telemedicina e medicina preventiva. “É tão somente um reducionismo numa planilha financeira. É disso que se trata e, neste sentido, é muito pobre a proposta.”

Sul21: Como você analisa a proposta do governo estadual para o IPE Saúde?

Filipe: Na essência, a proposta joga todo o ônus de ter que cobrir um déficit desproporcionalmente aos partícipes do IPE Saúde. O governo escolheu carregar mais os parâmetros que não gerem contrapartida para o Estado e, por isso, ele mira nos dependentes. Ao contrário do que o governo vem tentando conseguir como narrativa, dizendo que os dependentes não contribuem, na verdade existe uma coparticipação do dependente que hoje é 40% de participação em procedimentos, sem limite. Se o exame custar R$ 10 mil, o dependente vai pagar R$ 4 mil. Num plano privado há um teto de coparticipação. Só que essa comparação com o plano privado sempre vem de forma seletiva. Achamos que é indevida a comparação do IPE Saúde com um plano privado.

Sul21: Por que indevida?

Filipe: Porque o IPE Saúde é um sistema de saúde contributiva, não é um plano. Se a intenção é transformar o IPE Saúde num plano de saúde, deveria mudar a legislação. O IPE Saúde tem basicamente três contribuições: a do servidor aposentado ou pensionista, a paritária do ente, que hoje é de 3,1% e também 3,1% para o governo, e eventuais aportes. Então ele ainda é um regime de solidariedade. Então mesmo que se queira desfazer esse regime, é necessária uma mudança estrutural e o governo vem apresentando um remendo, talvez porque não quer ter desgaste político da sua real intenção que é desconstituir o IPE.

Filipe Leiria, presidente do Ceape Sindicato. Foto: Divulgação

Sul21: Como assim desconstituir o IPE?

Filipe: Isso fica muito claro quando ele apresenta uma proposta onde quem serão onerados são os baixos salários. Um caso real é o de uma professora de 20 horas, com um filho autista e um marido com 59 anos que é seu dependente, que vai sair de uma contribuição hoje de R$ 200 para algo em torno de R$ 670. Isso vai corresponder mais ou menos a 25% a 30% do salário dela, se considerar os exames que ela vai pagar. Ao passo que o governador, que tem 38 anos e não tem dependente, vai sair de uma contribuição hoje de mil e poucos reais para R$ 300.

Pelos dados que o governo apresenta, a maior massa contributiva está entre os servidores que ganham até R$ 5 mil e tem 59 anos ou mais. Estamos falando de pessoas com baixo poder aquisitivo e idade elevada, e que se for majorada a contribuição, seja de forma direta, passando de 3,1% para 3,6%, seja nas formas indiretas de coparticipação e tabela de exames, vai se criar uma barreira econômica. Essas pessoas não vão conseguir acessar o serviço de saúde e isso é de pleno conhecimento do governo. Há a intenção de que essas pessoas se encaminhem pro SUS.

Sul21: Como o senhor acha que será o debate da proposta, será técnico?

Filipe: O governador é um político que mobiliza, no plano dos simbolismos, argumentos legítimos de que se preocupa com questões da mulher, com a população negra, mas não passa do plano simbólico para o material. Quando chega no plano material, ele utiliza a mesma política de exclusão e retirada de quem têm menos no orçamento. Ele vai colocar uma aparência técnica dizendo que a discussão é sobre números, mas o governo é o principal inadimplente do sistema, retém o IPE Saúde nos precatórios e não repassa desde 2010. A paritária da pensionista de 2015 a 2018, ele só paga o principal, não paga os juros e a mora. Ele se apropria dos imóveis do IPE Saúde e, pela legislação, a receita desses imóveis deveria ser repassada para o IPE Saúde e ele não repassa. Essa inadimplência vai se agravando.

Sul21: Qual o impacto dos últimos anos, incluindo a pandemia, na atual situação do IPE Saúde?

Filipe: A pandemia represou muitos procedimentos e quando houve a retomada, jogou a inflação médica lá pra cima. E tivemos um achatamento nos salários dos servidores. A contribuição do IPE Saúde está indexada a revisão geral anual (dos salários). E o governo não quer abrir esse debate. Então o efeito é o mais deletério possível no IPE Saúde. Houve uma pressão do setor médico, que é legítimo pelo reajuste de tabela, mas não pode ser o único interesse que paute a solução pro IPE Saúde. E o governo cede a isso. A proposta do governo para o IPE Saúde, em última instância, é jogar as pessoas de baixa renda para o SUS.

Sul21: Seria “resolver” o problema do IPE Saúde esvaziando o próprio IPE Saúde?

Filipe: Exatamente. Porque os grandes salários já não vão ficar vinculados ao IPE Saúde, a proposta não cria elementos atrativos, diferentemente do que ele fala. Para além disso, ele faz um reducionismo do IPE Saúde a uma planilha financeira, como se tudo mais estivesse bem. Não tem uma proposta de gestão da medicina. Ele não fala sobre a ampliação de atendimento, não fala até sobre aspectos que funcionaram durante a pandemia… algum projeto de desenvolver a telemedicina. Se deixa de lado coisas importantes como a medicina preventiva.

Se poderia explorar a sinergia do IPE Saúde com a Secretaria da Saúde, o compartilhamento de estruturas remuneradas, compartilhamento de médicos, como forma de criar instrumentos para manter o IPE ativo. Não fala da capacitação de recursos humanos. Então é tão somente um reducionismo numa planilha financeira. É disso que se trata e, neste sentido, é muito pobre a proposta.

Sul21: O governador costuma se apresentar como uma pessoa de diálogo, você acha que isso estará presente nos debates sobre a proposta?

Filipe: O governo utiliza a linguagem do poder. Ele cria essa aparência de imagem política de pretenso diálogo, mas cada vez mais vem incorrendo em contradição. Na “hora H” ele vai utilizar sua base, vai negociar verba orçamentária e emenda. É um governo que atua assim. Vai dar um discurso aparentemente humano, no plano simbólico, mas no plano material e prático está retirando as pessoas (do IPE Saúde). Ele não se sensibiliza com a situação de que, de uma hora pra outra, as pessoas têm um sistema onde pagam R$ 200 e vão passar a pagar até R$ 600. Então outro efeito dessa proposta é a redução real de salário. Além de não conseguir a reposição da inflação, ele agora vai reduzir em termos reais os salários mais pauperizados.

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