Entidades apontam falhas nas estimativas de déficit, falta de detalhamento sobre reajuste de serviços médicos, penalização dos salários mais baixos e tentativa de fazer debate sem considerar revisão de salários, encontro de contas e aumento da arrecadação
Flavia Bemfica
- Menos de 24 horas após o governo do Estado apresentar para a base aliada suas propostas de mudança no IPE Saúde, na noite de segunda-feira, as primeiras reações já começam a acontecer. A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, que congrega 27 entidades representativas de servidores estaduais, e tem dois representantes no Conselho de Administração do IPE, prepara uma nota para o início da tarde desta terça-feira, na qual vai contrapor alguns dos principais dados e argumentos apresentados pelo Executivo. Uma reunião extraordinária do Conselho para tratar especificamente da pauta está sendo articulada para a tarde de quarta. Pelo calendário, a próxima reunião do colegiado só ocorreria em 27 de abril.
Os servidores questionam o déficit projetado pelo governo, a ausência de um projeto concreto de gestão da saúde, afirmam que a proposta pressupõe uma espécie de “confisco” ou “barreira econômica” aos salários mais baixos e apontam que configura uma redução real nos vencimentos, uma vez que os descontos vão aumentar. “O fato é que a proposta do governo mira um objetivo só: garantir o reajuste da tabela dos médicos. O Executivo fez um cálculo de chegada, mas não mostrou os números e esse formato não vai funcionar. Caso seja implementado, daqui a alguns meses voltaremos a discutir déficit. Essa proposta vai arrastar para o centro das discussões também várias outras questões, como revisão geral de salários, cobrança de dívidas em favor do IPE, teto de gastos e aumento de impostos”, aponta o presidente do Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do RS (Ceape) e conselheiro da União Gaúcha, Filipe Leiria.
Ao mesmo tempo em que detalhou na proposta aumento de alíquotas (de 3,1% para 3,6%), estabelecimento de cobrança para todos os dependentes, por faixa etária, possibilidade de desconto dos titulares por uma tabela de referência em valores nominais ou por alíquota (o que for mais vantajoso) e aumento da coparticipação dos segurados em exames e consultas de 40% para 50% , o Executivo, no caso dos honorários médicos, não indicou nenhum número, limitando-se a garantir que será implantada uma nova tabela.
“O governo precisa abrir de fato os números e fazer uma discussão séria. A soma que ele faz para anunciar a projeção de um déficit de R$ 750 milhões não é correta, não se sustenta. O déficit é de pouco mais de R$ 400 milhões. O governo nega-se a tratar da revisão anual dos salários do funcionalismo e ‘vende’ antecipadamente na imprensa a revisão como uma irresponsabilidade. Mas o fato é que se existisse uma política de revisão anual e geral poderiam ser feitas estimativas corretas, os salários não estariam achatados e o déficit seria menor ou inexistente”, aponta a presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do RS (Sinapers) e diretora-financeira da União Gaúcha, Kátia Moraes.
A discussão sobre a transferência dos imóveis do IPE ao Estado e os ressarcimentos decorrentes também voltará, segundo representantes de entidades dos servidores, que chamam a atenção para alguns dos termos que vêm sendo utilizados pelo governador Eduardo Leite (PSDB) ao tratar de valores referentes ao sistema. “O governo não pode tratar como aporte valores que na verdade são dívida com o IPE. Além da revisão, vamos trabalhar com vários pontos previstos em lei. Por exemplo, o que estabelece a lei 15.144, de 2018. Ela prevê que o Estado cobrirá eventuais insuficiências financeiras do FAS até o limite do valor dos imóveis transferidos”, assinala o secretário-geral da União Gaúcha, Ives Lucas.
A lei 15.144 foi a que criou o IPE Saúde, dividindo as áreas de assistência à saúde e previdência, e estabelecendo o IPE Saúde como sucessor do antigo Ipergs. Ela também desvinculou o acervo patrimonial imobiliário do Ipergs do Fundo de Assistência à Saúde (FAS/RS), transferindo-o ao Estado “para fins de aproveitamento e gestão.”
Foto: Guilherme Almeida