Hospitais e clínicas anunciaram risco de ruptura quando o plano de saúde estadual diminuiu o pagamento por remédios usados em internações e atendimentos
CARLOS ROLLSING
A dívida de R$ 1,1 bilhão do IPE Saúde com hospitais e clínicas é um instrumento de pressão, mas o estopim para as entidades do setor virem a público anunciar o risco de ruptura de convênios, o que deixaria cerca de 1 milhão de gaúchos sem cobertura de plano de saúde, foi outro: a nova tabela de precificação editada pelo órgão para remunerar os prestadores de serviço pelos medicamentos usados em atendimentos e internações.PUBLICIDADE
As instituições de saúde receberam, em 2 de março de 2022, um comunicado do IPE Saúde em que ficou determinada a vigência de uma nova tabela a partir do dia 5 de abril. Seriam reduzidas as remunerações que o IPE Saúde paga aos prestadores de serviço pelo uso de 437 medicamentos. A justificativa dos hospitais é que essa atualização de preços com decréscimo os faria trabalhar no negativo na relação com o plano de saúde dos servidores estaduais. A partir disso, os hospitais e as clínicas se reuniram e decidiram pelo movimento executado no dia 16 de março, quando notificaram o IPE Saúde sobre o risco de cessar atendimentos aos seus segurados em caso de manutenção da nova precificação.
O governo estadual, em um primeiro movimento, protelou o início da vigência da tabela por 30 dias, jogando sua validade para o início de maio. Até lá, a intenção é negociar um acordo que não deixe 1 milhão de segurados em desassistência.
Diretor-geral da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Julio Dornelles de Matos afirma que a tabela de medicamentos, nos valores atuais, é o fator que mantém a mínima viabilidade da relação entre os hospitais e o IPE Saúde. A precificação dos remédios garante uma margem comercial positiva capaz de cobrir as desatualizações de outras tabelas de remunerações, as de diárias e taxas. No atual arranjo, diz Matos, os hospitais têm margem positiva de 8% a 10% na relação – a cada R$ 100 recebidos como pagamento do IPE Saúde, entre R$ 8 e R$ 10 restam de resultado positivo. Com a nova tabela de preços baixada pelo IPE Saúde – que teria sido elaborado de forma unilateral, reclamam dirigentes hospitalares -, as instituições passariam a operar no negativo com o plano de saúde. A margem negativa seria de 7% a 8%, diz Matos.
— Passaríamos a pagar para atender os segurados do IPE Saúde. Ou essa resolução dos medicamentos é suspensa ou os hospitais vão rescindir os contratos. Não tem outro caminho. Não temos condições de financiar o IPE. Já fazemos isso (relação com margem negativa) no SUS por missão — afirma Matos.
Ele diz que não se opõe à intenção do IPE Saúde de rever a tabela de medicamentos para corrigir distorções e preços eventualmente acima dos de mercado, mas defende que isso precisa ser feito junto da correção dos valores defasados das remunerações de diárias e taxas. Isso, entende o gestor, manteria viabilidade na relação.
— Tem mais de dez anos que não corrigem essas tabelas (diárias e taxas). A mudança unilateral na tabela de medicamentos foi o estopim, porque isso era o que compensava o déficit. Se querem corrigir, precisam corrigir dos dois lados — avalia Matos.
Presidente da Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul), Cláudio José Allgayer diz que os preços ofertados pelo IPE Saúde para remunerar o uso dos medicamentos, em parte dos casos, não é suficiente para quitar o valor de aquisição junto aos fornecedores. Ele salienta que o processo de compra, armazenamento e dispensação de remédios envolve despesas com quadro de funcionários, tecnologia, equipamentos e infraestrutura. O dirigente entende que isso precisa ser remunerado para que a relação não fique prejudicial.
— Em cima do preço de aquisição tem o preço de logística. Temos 11 etapas de logística, mas o IPE Saúde não quer remunerar isso. Ele quer pagar, em muitos casos, preços inferiores aos de aquisição do medicamento — diz Allgayer.
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Ele recorda que, recentemente, o plano de saúde dos servidores estaduais já havia editado outras resoluções para reduzir as remunerações por próteses, órteses e pela dieta dos pacientes.
— A receita do IPE Saúde é insuficiente para pagar o serviço que ele compra do prestador. Agora, estão tentando resolver a questão tirando a totalidade da margem dos hospitais, que já é pequena. Nos deixarão com margem negativa. E estão nos dando um calote até o presente momento (sobre a dívida de R$ 1,1 bilhão), mas temos expectativa de receber esse dinheiro. Ainda apostamos no diálogo produtivo — afirma Allgayer.
Matos, da Santa Casa de Misericórdia, enumera argumentos sobre a importância de os hospitais que trabalham com o IPE Saúde, em parte filantrópicos, manterem relação comercial de margem positiva, ainda que moderada:
— Isso é o que mantém a atividade perene, com investimentos tecnológicos e correções salariais dos empregados. Sem margem de resultado, não há perenidade.
O governo Eduardo Leite publicou nota nesta terça-feira (22) manifestando disposição para discutir alternativas e atender aos interesses dos usuários. O Palácio Piratini salientou que parte da dívida de R$ 1,1 bilhão está dentro do prazo tradicional de 60 dias para regularização de pagamentos com que operam os planos de saúde. Dentre as contas mais atrasadas, há algumas com cerca de 180 dias de vencimento. Sobre a nova tabela de remuneração por medicamentos, estopim da atual crise, o IPE Saúde tem dito que a nova precificação foi feita pela Secretaria da Fazenda para praticar valores de mercado e cumprir recomendação do Ministério Público, que apontou sobrepreço em itens.
Veja a nota do Executivo na íntegra:
“O governo do Estado reitera o seu compromisso de buscar soluções administrativas por meio do diálogo. O IPE Saúde, a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul e a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (FEHOSUL) estão realizando um trabalho conjunto com o intuito de encontrar alternativas técnicas para o problema de sustentação financeira do plano de saúde e para as dificuldades enfrentadas pelos prestadores de serviço. É importante destacar que parte da dívida existente, quase a metade do montante de R$ 1,1 bilhão, ainda está dentro do prazo de 60 dias para regularização, portanto, no período de mora. Acerca da tabela própria de medicamentos do IPE Saúde, ponto que gerou manifestações recentes por parte das instituições de saúde, cabe informar que a mesma foi elaborada a partir de critérios técnicos e transparentes. O governo do Estado, por meio do IPE Saúde, reitera que está conversando com os hospitais, imbuído do objetivo permanente de atender os interesses dos usuários.”