Diretor financeiro do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (SENGE-RS), Luiz Alberto Schreiner conversou com a reportagem da União Gaúcha e explicou por que a entidade é contrária à privatização da CEEE. Schreiner indica o que, na avaliação do sindicato, há caminhos viáveis e mais vantajosos para o Estado do que a insolvência da estatal.
Para o SENGE-RS, a situação financeira da empresa poderia ser resolvida com créditos que a CEEE tem junto à União, que totalizam cerca de R$ 14 bilhões. Atualmente, a CEEE-D tem uma dívida de mais de R$ 3 bilhões, apenas em ICMS, e acumula patrimônio líquido negativo de quase R$ 5 bilhões. Schreiner aponta que a primeira consequência da venda da estatal será a formação de monopólio privado de distribuição de energia elétrica no Estado. Confira a entrevista, concedida por e-mail.
União Gaúcha – Em outubro do ano passado, o senhor entregou ao deputado federal Carlos Zarattini (PT/SP), uma minuta com sugestão de parecer favorável à aprovação do Projeto de Lei 308/2015, que poderia recuperar o equilíbrio econômico-financeiro da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). De que forma esse projeto pode recuperar a companhia?
Luiz Alberto Schreiner – Este projeto se refere a um crédito que a CEEE tem junto à União, oriundo do processo de desequalização tarifária, realizado durante o governo Itamar Franco, com o objetivo de preparar o ambiente para dar início ao processo de privatização do setor elétrico brasileiro. Ocorre que, até 1992, as tarifas de energia elétrica eram definidas pelo governo federal e homogêneas em todo o território nacional, e era a partir delas que as concessionárias obtinham recursos para operar, manutencionar e expandir as suas plantas elétricas, para atender a demanda dos consumidores. Entretanto, durante o ciclo revisional, ocorriam desequilíbrios econômico-financeiros, que necessitavam ser ajustados, e o mecanismo utilizado para esta finalidade era a Conta de Resultados a Compensar – CRC (Lei nº 5.655/1971), que tinha a finalidade de equalizar as tarifas em todo território nacional e restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro de cada concessionária, para manter a integridade e a eficiência do sistema elétrico brasileiro. Assim, quando foi posta em prática a desequalização tarifária (Lei nº 8631/93, alterada pela Lei nº 8724/93), que extinguiu o regime de remuneração garantida (tarifa equalizada) e a CRC, havia quatro empresas com créditos a receber: CEEE, CELG, CESP e CEAL. Tais créditos, pela sua natureza, são vitalícios, nunca expiram, e não foram pagos pela União por razões políticas, embora o seu pagamento tenha sido aprovado, por unanimidade, por duas vezes pelo Congresso Nacional. Portanto, o Grupo CEEE faz jus a um crédito de R$ 4 bilhões, e o instrumento legislativo que viabiliza o pagamento destes recursos é o Projeto de Lei 308/2015, de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS), que tramita em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça – CCJ (comissão de mérito) da Câmara dos Deputados, e conta com o parecer favorável do relator, o deputado federal Carlos Zarattini (PT/SP). O que falta, em nosso entendimento, é uma ação coordenada do governo estadual com a bancada federal gaúcha, visando a aprovação do projeto na Câmara Federal, e posterior negociação com o governo federal, para viabilização de um acordo que permita a capitalização da CEEE em um montante estimado em R$ 4 bilhões, o equacionamento das suas dívidas, e a retomada do seus papel fundamental de indutora do crescimento socioeconômico que sempre desempenhou, e que será fundamental na retomada econômica e na geração de empregos no cenário pós-pandemia.
União Gaúcha – Além dessa possibilidade, há outras formas de reequilibrar as finanças da CEEE? Schreiner – Sim. Há outras formas e, dentre elas, destacamos um crédito legítimo de R$ 10 bilhões, judicializado em 2015 contra a União pela companhia, oriundos da Conta de Resultados a Compensar – CRC, referentes à exclusão dos custos da folha de pagamento dos funcionários ex-autárquicos da extinta Comissão Estadual de Energia Elétrica, que posteriormente deu origem à CEEE. Também são créditos vitalícios devidos à CEEE pela União, que podem ser utilizados na expansão da planta elétrica do Estado ou serem dados em garantia para tomada de empréstimos junto a organismos internacionais como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento), como foi feito recentemente.
União Gaúcha – Por que o Senge é contra a privatização?
Schreiner – O SENGE é contrário à privatização de setores estratégicos da infraestrutura brasileira, porque eles representam a espinha dorsal, capaz de sustentar as demais atividades essenciais, capazes de suportar o desenvolvimento econômico-social, tecnológico e, fundamentalmente, a soberania nacional do país como nação independente.
União Gaúcha – Na sua avaliação, quais as consequências da privatização para a população gaúcha? Schreiner – A primeira consequência seria a formação de um monopólio privado de distribuição de energia elétrica no Estado, com todas as consequências já conhecidas pelos consumidores gaúchos e brasileiros. Sendo a primeira delas, o aumento tarifário que verificamos, em todas as áreas de concessão inteiramente concedidas à iniciativa privada no país. Em segundo lugar, via de regra, a falta de concorrência leva, inevitavelmente, à precarização de serviços e, portanto, à perda de qualidade e à retração de investimentos em áreas de atendimento mais longínquas. E a terceira, mais relevante, seria o desmonte de toda uma cadeia produtiva de alta tecnologia, desenvolvida ao longo de décadas no Estado, envolvendo várias áreas de conhecimento, em favor da importação de produtos manufaturados de alto valor agregado em prejuízo da indústria local, desempregando trabalhadores gaúchos, em tempos tão desafiadores, e em meio a maior crise sanitária que já vivemos.
União Gaúcha – O senhor considera que há uma ação planejada de governos estaduais, quanto ao agravamento da crise, para facilitar a privatização?
Schreiner – Pelo que foi exposto anteriormente, tudo indica que sim, pois existem, ao nosso ver, vários caminhos viáveis e muito mais vantajosos para o Estado e para o povo gaúcho, do que a insolvência da principal estatal de setor energético do Estado, que desempregará de imediato milhares de trabalhadores diretos e indiretos, ligados à cadeia produtiva do setor elétrico gaúcho. Assim, perderemos massa salarial, arrecadação de impostos, declinará o poder de aquisitivo da população e o Produto Interno Bruto – PIB do Rio Grande do Sul. Que vantagem poderá haver em exportarmos empregos para outros países e jogarmos na informalidade milhares de trabalhadores altamente qualificados? É assim que pretendemos desenvolver o Estado? Não há nenhuma lógica econômica nisto, muito menos há preocupação com a comoção social que será causada no Estado, com as milhares de famílias que ficarão desamparadas.
União Gaúcha – Quais as causas do endividamento da CEEE? Schreiner –
O endividamento da CEEE teve origem no desastroso processo de privatização implementado no governo Britto, quando a companhia remanescente, a CEEE-Distribuidora, perdeu dois terços da receita e foi obrigada a absorver 80% do passivo da empresa originária, além do custo da folha dos ex-autárquicos, que a companhia carrega até hoje, porque o governo estadual, responsável por esta conta, recusa-se a assumi-la, apesar das reiteradas cobranças da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, responsável pela fiscalização dos contratos de concessão e seus indicadores técnicos e econômico-financeiros.
União Gaúcha – Hoje, a CEEE-D é a pior em ranking da ANEEL instituído em 2011. Como se chegou a essa situação e, como técnico, o senhor considera possível reverter? Schreiner –
A recuperação dos indicadores técnico-econômicos depende de investimentos, que poderão ser feitos, quando implementadas as medidas sobre as quais discorremos anteriormente, e que dependem, exclusivamente, da vontade política e atitude proativa do governo estadual, para buscar junto à União os créditos legítimos, aos quais o Grupo CEEE tem direito.
União Gaúcha – Na sua avaliação, a posição da CEEE-D no que diz respeito à qualidade dos serviços tem relação com investimentos? O que as companhias privadas fazem que a CEEE não deixa de fazer (a RGE, por exemplo, aparece no ranking da Aneel sempre à frente da CEEE-D)?
Schreiner – Como dissemos anteriormente, as empresas oriundas da privatização da CEEE Distribuidora nasceram sem dívidas, pois as mesmas ficaram com a empresa originária (CEEE), que carrega, desde então, este déficit estrutural, que prejudica o seu desempenho econômico-financeiro, e, em consequência, os investimentos na planta elétrica, o que faz elevar as perdas técnicas, a eficiência e inibe os avanços tecnológicos e a inovação. A prova de que a empresa pode figurar entre as melhores distribuidoras do país ocorreu no período que a companhia dispunha dos recursos oriundos da Conta de Resultados a Compensar – CRC, referente à ação judicial vencida contra a União, que disponibilizou aos técnicos da companhia os recursos necessários para implementação dos programas de ampliação, melhoria e modernização do sistema elétrico a serviço dos consumidores. Assim, com a força dos seus trabalhadores, a capacidade dos seus técnicos, e com os recursos necessários a empresa voltou aparecer no alto do ranking da ANEEL e a figurar entre as empresas mais confiáveis aos olhos do consumidor, no ranking da pesquisa de satisfação do cliente da ABRADEE (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica)
Jornalista- Carla Dutra
Foto: Créditos: Divulgação/Senge
Assessoria de Comunicação da UG
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