Quiprocó previdenciário

Há muito se debate responsabilidade fiscal. Mais que boa prática, é Lei Nacional (LRF). Para resumir, responsabilidade fiscal é usar apenas recursos oriundos do seu próprio orçamento anual.

Ah, mas não é fácil resistir! O que se festeja é a exuberância da realização, não a introversão burocrática de um acerto de contas. Em jogo, está o avançar com segurança contra o sobressalto intercalado de soluços de gasto irresponsável e pífio. A sanha por créditos públicos pode contagiar o discurso e o linha moral.

Um exemplo é a previdência dos servidores. O regime é capitalizado desde a primeira reforma (art. 40 EC 20/98). Mas se é capitalizado há décadas, onde está o dinheiro? Tal acervo patrimonial seria um cofre periodicamente visitado pela administração?

A burocracia mencionada antes pode ensaiar sua própria defesa. Talvez alegue que não se trata de um saque, mas, em verdade, de uma aquisição reversa de 17 mil vidas, com pagamento futuro, ao abrigo do art. 60 da portaria 464/18 do Min. da Economia.

Seria mera confusão de artigos ou lesão da responsabilidade fiscal?

O governo sacará da previdência, comprometendo orçamentos vindouros, ou é interessante negócio jurídico? O art. 43, §2º, II da LRF condena a operação, ou os segurados também seriam contemplados pela repartição do dinheiro (art. 5º do PLC 148/2020)? A medida contraria o recente art. 167, XII da CF/88, ou apenas libera mais recursos para urgentes atividades, tais como pagamento da folha?

Há uma expressão latina para erro ou imprecisão de grafia: “quid pro quo”. Significa “isso por aquilo”, ou, “quis-se dizer aquilo, mas escreveu-se isso”. Mais recentemente, principalmente em língua inglesa, ganhou outro significado.

É uma lástima que nossos desesperados tempos nos coloquem na incredulidade da lei, habituando-nos a confiar em nada mais senão na loteria de um futuro que outros hão de prover. Uma análise do estado das coisas, no entanto, indica que o RS, com o recente PLC 148/2020, está se enredando em um verdadeiro quiprocó.

Alexandre Manir Figueiredo Sarquis – Doutorando em Dir. Financeiro pela USP e membro do Conselho dos RPPS.

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