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Entre medidas propostas, governador Eduardo Leite sugere que servidores contribuam com alíquotas progressivas crescentesAndréa Graiz / Agencia RBS

Com a adoção das medidas previstas na reforma da Previdência e no pacote do governo Eduardo Leite — que deve ser enviado à Assembleia Legislativa até quarta-feira (13) —, a Secretaria Estadual da Fazenda projeta economia de R$ 17 bilhões em uma década. A soma equivale a 14 folhas salariais líquidas do Executivo e representa 12% do rombo previdenciário estimado pelo órgão no período.

Em 2019, até agosto, a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) registrou déficit de R$ 8,1 bilhões no regime financeiro de repartição simples, incluindo civis e militares. Trata-se do regime mais antigo e custoso, que já não recebe novos servidores. Descontada a inflação, o montante é 3,8% maior do que o contabilizado no mesmo intervalo de 2018 e corresponde ao dobro do orçamento anual da saúde. A perspectiva da Cage é de que, no fim do ano, a conta chegue a R$ 12,2 bilhões.

Secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso reconhece que as mudanças sugeridas “estão longe de resolver a situação”, mas argumenta que são fundamentais para superar a crise.

— Todos os meses, o Estado é obrigado a aportar cerca de R$ 1 bilhão no regime previdenciário para cobrir o déficit. É quase 50% da nossa arrecadação líquida de ICMS, uma despesa extremamente pesada — ressalta Cardoso.

Em teoria, as contribuições dos profissionais em atividade deveriam ser suficientes para financiar os benefícios dos inativos, mas na prática isso não ocorre há anos. Por essa razão, o Estado tem de injetar recursos extras para assegurar os benefícios dos funcionários aposentados.

Em 2018, segundo a Cage, esse valor chegou a R$ 11,65 bilhões, 30,8% da receita corrente líquida. Parte do problema se explica pelo fato de que, no passado, os gestores demoraram a fazer ajustes para garantir sustentabilidade ao sistema. Até meados da década de 1990, os servidores não contribuíam para a aposentadoria.

Em 2011, foi criado um fundo de capitalização e, em 2015, um plano de previdência complementar, que passaram a contemplar novos quadros. As alíquotas foram ampliadas ao longo do tempo, chegando a 14%, mas o cenário seguiu piorando, porque o número de inativos superou o de ativos — condição que pode ser agravada pela corrida por aposentadorias nas últimas semanas.

Para atenuar o desequilíbrio, Leite quer cobrar contribuição de servidores aposentados que ganham acima de um salário mínimo, aplicar alíquotas progressivas crescentes e adotar pontos da reforma federal (veja detalhes no quadro). Se tudo for aprovado, a Fazenda estima que o valor poupado no primeiro ano será de R$ 1,4 bilhão.

Especialista em finanças públicas, o economista Raul Velloso avalia que o resultado previsto pelo governo  é insuficiente diante dos sacrifícios exigidos.

— O governo está tomando medidas duras, mas não está dando aos servidores a garantia de que o problema será de fato resolvido, o que pode dificultar a aprovação dos projetos. Esse é um erro comum. Se conseguir aval do Legislativo, vai, no máximo, ganhar algum fôlego. O déficit não será equacionado — pondera Velloso.

O conjunto de propostas é alvo de críticas de entidades como a União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, que contesta os dados do governo e defende alterações no pacote.

Entidade contesta dados e pede transparência

Cpers-Sindicato / Divulgação
Secretário-geral da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG), Filipe Leiria, diz que governo comete erros – Cpers-Sindicato / Divulgação

A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG) — que congrega 25 órgãos representativos do funcionalismo — produziu um documento contrapondo os dados que embasam o pacote. Por discordar dos números, a entidade questiona as medidas.

Elaborada por especialistas, a análise foi entregue à cúpula do Palácio Piratini em reunião no último dia 31, na Capital. Após o encontro, o presidente da UG, Cláudio Martinewski, disse esperar uma revisão.

— Eles (integrantes do governo) elogiaram a entrega da nossa nota como muito pertinente. Isso vai fazer com que revejam algumas das questões do pacote que, segundo eles, ainda não está finalizado — declarou Martinewski, em vídeo postado no Facebook.

Em 15 pontos, a UG sustenta que há inconsistências nas contas, números divergentes, omissões e superestimação do déficit atuarial. Os cálculos, segundo o secretário-geral da entidade, Filipe Leiria, foram feitos com base em legislação defasada, o que agrava os resultados. Leiria também reclama da ausência de detalhamento técnico e diz que o governo não deposita a cota patronal de forma correta.

— A primeira coisa que identificamos foi a falta de transparência. Não encontramos a memória os cálculos atuariais, e os números sequer foram submetidos ao conselho de administração do IPE-Prev. Além disso, a projeção do governo ignora a legislação vigente. O déficit cairá pela metade a partir de 2020 — afirma Leiria.

Por meio de nota, o governo informa que o documento da UG está sendo analisado. Conforme o texto, o Piratini “reafirma que todas as avaliações atuariais do IPE-Prev estão atualizadas, estritamente de acordo com as legislações aplicáveis e homologadas”. Segundo a nota, “os estudos de impactos financeiros e atuariais das reformas também seguiram parâmetros técnicos” e “eventuais dúvidas têm sido esclarecidas e assim continuarão em avaliação, como parte do processo de debate que o governo tem estabelecido”.

O rombo

Em 2019, o dado oficial mais recente é de agosto. Confira a evolução nos últimos cinco anos, no mesmo período.

De janeiro a agosto (em R$ bilhões)*

  • 2014 -4,97
  • 2015 -5,40
  • 2016 -5,52
  • 2017 -6,55
  • 2018 -7,58
  • 2019 -8,14

Variação nominal (2018-2019): 7,4%

Variação real (2018-2019): 3,8%

* Valores referentes ao regime financeiro de repartição simples (civis e militares).

R$ 12,2 bilhões é a previsão atualizada do governo até o fim do ano.*

* A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG) trabalha com outra projeção, de R$ 11,3 bilhões.

O que isso significa

O déficit se dá quando as despesas previdenciárias (gastos com aposentadorias e pensões) superam as receitas previdenciárias (contribuições de ativos, inativos e pensionistas, mais a cota patronal). O governo é obrigado a cobrir a diferença.

Qual é o impacto

Considerando a previsão oficial de R$ 12,2 bilhões em 2019, o déficit será o triplo do orçamento da saúde e deverá superar o rombo de 2018 (R$ 11,65 bilhões).

Ativos x inativos

Os gráficos a seguir mostram a evolução do número de servidores ativos e inativos. Em 2008, a maioria ainda estava em atividade, mas já havia déficit.

2008

  • Ativos  170.288 (56,55%)
  • Inativos  130.831 (43,45%)
  • Déficit previdenciário no ano R$ 4,34 bilhões
  • Percentual da receita corrente líquida 26%

2018

  • Ativos 148.813 (46,76%)
  • Inativos 169.451 (53,24%)
  • Déficit previdenciário no ano R$ 11,65 bilhões
  • Percentual da receita corrente líquida 30,8%

Fontes: Relatórios resumidos de execução orçamentária e Boletim informativo de pessoal nº 192, de junho de 2019. 

Principais propostas do governo Leite

1) Nova base de cálculo

Ampliar a base de cálculo das contribuições de inativos e pensionistas, enquanto persistir déficit atuarial. Hoje, só contribuem os aposentados do Estado que ganham acima do teto do INSS (R$ 5,8 mil). A intenção é estender a cobrança aos inativos que ganham a partir de um salário mínimo (R$ 998).

2) Alíquotas progressivas

Os servidores ativos contribuem com 14%, assim como os inativos que ganham acima do teto do INSS, tanto civis como militares. A intenção é ampliar o percentual, com alíquotas progressivas. Conforme o governo, a alíquota efetiva máxima será de 16,67% para os proventos mais altos de todos os poderes. Os inativos que recebem até o teto do INSS terão alíquota efetiva máxima de 11,61%.

3) Alinhamento com as regras federais

O governo pretende replicar medidas da reforma federal e adotar os parâmetros de inatividade previstos para os militares no projeto de Lei 1.645, que altera o sistema de proteção social das Forças Armadas. Principais mudanças:

Servidores civis
Poderão se aposentar com 62 anos (mulheres) e 65 (homens), com regras de transição. Hoje, é possível com 55 e 60, respectivamente. O tempo de contribuição cairá de 30  (mulheres) e 35 anos (homens) para 25, nesse caso com direito a 70% da média das remunerações. Para se aposentar com 100% da média, será preciso ter 40 anos de contribuição. Será proibido incorporar funções gratificadas (FGs).

Servidores militares
O tempo mínimo de serviço subirá de 30 (homens) e 25 anos (mulheres) para 35 anos, com 30 de atividade militar, para homens e mulheres, sem idade mínima (como hoje) e sem poder incorporar FGs. Embora o projeto federal amplie a contribuição de militares das Forças Armadas de 7,5% a 10,5%, o Piratini não pretende adotar esses índices. Aqui, militares já contribuem com 14%.

Professores
Poderão se aposentar aos 57 anos (mulheres) e aos 60 (homens), com 25 de contribuição, 10 de serviço público e cinco no cargo. Hoje, isso é possível aos 50 (mulheres) e 55 (homens) com 25 e 30 anos de contribuição, respectivamente.

Impacto líquido estimado pelo governo

R$ 1,4 bilhão no primeiro ano de vigência das alterações

R$ 17 bilhões em 10 anos