Debate sobre a reforma da Previdência tem que avaliar riscos sociais

Por Thais Riedel*

O tema reforma da Previdência segue cumprindo pauta relevante no cenário político atual. Afinal, pelas informações do governo haveria um rombo na Previdência Social de R$ 85,8 bilhões no ano de 2015, déficit que justificaria alterações substanciais nas regras previdenciárias.

Além disso, a população brasileira chegou a 204 milhões de pessoas, com expressivo aumento da expectativa de vida e diminuição da taxa de natalidade, o que provocaria uma inversão da pirâmide demográfica e a necessidade de ajustes como a inclusão de uma idade mínima para as aposentadorias, além de maior rigor nas regras de uma forma geral.

Portanto, a proposição de reforma da previdência se sustenta em dois pilares centrais: déficit financeiro e mudanças demográficas.

Contudo, tais temas possuem uma grande complexidade e não podem ser vistos sem se compreender o papel da Previdência Social no cenário brasileiro. Isso porque o modelo  desenhado pelo legislador constituinte, fruto de todo um desenvolvimento histórico no Brasil e no mundo, possui função própria dentro do Sistema de Seguridade Social, que visa a ser o instrumento apto a garantir o bem-estar e a justiça social da população brasileira.

A estrutura criada na Constituição de 1988 trouxe o Sistema de Seguridade Social (formado pelo tripé Saúde, Assistência e Previdência) para proteger a população dos riscos sociais. É fruto do princípio da proteção social, que se inicia no exercício do trabalho e evolui para abranger, de forma indissociável, a condição de pessoa humana. Resulta, portanto, da percepção de que todo ser humano está exposto aos riscos que podem gerar danos em sua vida e de que nós não somos previdentes, ou seja, não nos programamos para os infortúnios da vida, que podem gerar, consequentemente, um estado de necessidade.

Depois de um longo desenvolvimento das garantias fundamentais, o Estado trouxe para si a responsabilidade de garantir saúde pública para todos os brasileiros. Com saúde, a população economicamente ativa deve trabalhar e contribuir obrigatoriamente para um sistema previdenciário, de forma a se prevenir contra os riscos sociais. Aqueles que não possuírem condições de trabalho e que estejam em situação de miserabilidade contam com os benefícios e serviços assistenciais.

Para conseguir garantir esses direitos de Saúde, Assistência e Previdência Social, a própria constituição tratou de indicar quais riscos queria minimamente proteger (morte, idade avançada, maternidade, doenças etc.) e quais seriam as formas de financiamento para esse sistema destinadas a um Orçamento da Seguridade Social próprio, com várias fontes de custeio (contribuição do empregador sobre o faturamento, sobre receita, sobre a folha de salários e sobre o lucro; contribuições dos trabalhadores e demais segurados; contribuição sobre a importação e também sobre concurso de prognósticos, entre outras).

Essa diversidade de financiamento arquitetada pelo constituinte é de uma inteligência tamanha, pois garante várias fontes de custeio para o sistema e não apenas a fonte tradicional referente à folha de pagamentos.

Importa observar também que a tributação destinada ao Sistema de Seguridade Social tem finalidade específica, ou seja, deve necessariamente ir para o seu orçamento próprio e, assim, alcançar seus propósitos. Entretanto, com alterações posteriores ao texto constitucional, 20% desses recursos (com proposta de aumento para 30%) têm sido desviados pelo governo através da Desvinculação das Receitas da União – DRU, para outros fins, principalmente, para pagamento de juros da dívida pública.

Outro aspecto curioso diz respeito às renúncias fiscais, que têm sido ampliadas pelos últimos governos e gera uma diminuição da arrecadação previdenciária (R$ 64 bilhões em 2015). Redução que afeta o equilíbrio do sistema.A verificação da existência ou não de um déficit na previdência e dos impactos da alteração da estrutura demográfica brasileira no sistema previdenciário deve observar todos os riscos protegidos e todas as fontes a elas destinadas. Não se pode considerar, como tem ocorrido nas principais discussões sobre o tema, apenas uma das fontes de financiamento (folha de pagamento) para apuração do déficit.

Também não se pode definir uma idade mínima para aposentadoria sem o estudo atuarial do risco existente nas diversas realidades do país. Será que o risco da idade avançada, por exemplo, é o mesmo entre um trabalho manual e outro intelectual? Há a mesma realidade no Sul e no Nordeste do país? A diversidade do mercado de trabalho e das regiões brasileiras exigem cuidado ao se definir uma regra para todos, para que não haja injustiças.

A discussão acerca da reforma da Previdência, portanto, deve passar primeiramente pela análise real da proteção do risco social no Brasil, e isso não tem sido quase discutido. Reformar deve ser para melhorar e não para retroceder.

*Mestre em Direito Previdenciário. Presidente da Comissão de Seguridade Social da OAB-DF. Presidente do Instituto Brasiliense de Direito Previdenciário – IBDPREV

site: http://www.metropoles.com/

 

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