IPE-Saúde poderia ter receitas superavitárias se repasses do Poder Executivo estivessem em dia

 A União Gaúcha realizou entrevista com Diretor de Saúde do IPERGS, Alexandre Escobar.

 foto: Humberto Alencastro
Diretor de de Saúde do IPERGS, Alexandre Escobar – Foto: Humberto Alencastro/AI IPERGS

União Gaúcha- Os representantes da categoria médica têm alardeado na imprensa que o IPE-Saúde estaria com os repasses a médicos e hospitais em algum fundo de verdade nesta afirmação e qual a sistemática desses repasses?

Não há atraso nos repasses aos médicos e hospitais. Ao contrário, o IPE Saúde vem cumprindo rigorosamente o calendário acordado  (disponível no site do IPE, http://www.ipe.rs.gov.br/?model=conteudo&menu=386). Os pagamentos ocorrem nos dias 05, 15 e 25 de cada mês, de forma constante e previsível. O sistema utilizado pelo IPERGS é o mais ágil do mercado gaúcho (segundo manifestação dos prestadores em recente reunião do Grupo Paritário). Eventuais atrasos podem ser decorrentes de demora no faturamento da própria instituição prestadora. Porém, assim que a conta é finalizada no hospital e enviada ao IPE, o pagamento já estará programado para ocorrer em prazo inferior a 35 dias. Da mesma forma, quando a consulta é registrada no Pin-Pad, automaticamente é gerada a programação para a próxima data de pagamento, no mês seguinte

UG – Qual é a relação receita x despesa do sistema hoje, que se diz que o IPE Saúde gasta mais do que Qual é o balanço do IPE-Saúde, ou seja, quanto se gasta com medicamentos, hospitais, médicos e quanto arrecada?

Em tese, o balanço do IPE Saúde deveria ser superavitário. Entretanto, atrasos nos repasses patronais do Poder Executivo, associados à ausência de repasse das contribuições patronais das pensionistas de todos os poderes, vem consumindo recursos do Fundo de Assistência à Saúde (FAS). O regime contábil adotado no FAS é o de caixa, isto é registram-se as receitas e despesas efetivamente ocorridas. No exercício financeiro de 2015, o resultado contábil do FAS apurado em 31 de dezembro apresentou uma receita total de R$1.672.266.774,22, frente a uma despesa de R$1.779.570.923,11, demonstrando um aparente resultado negativo de R$107.304.148,89. Por outro lado, os valores de contribuições não repassados até aquela data, apenas do Poder Executivo, atingiram o montante de R$192.250.124,01. Só esta diferença já teria garantido um superávit de R$84.945.975,20 se os valores devidos fossem efetivamente repassados regularmente ao  IPERGS. Mesmo sendo tardiamente repassados, o simples atraso impede que se obtenha ganho financeiro com a aplicação destes recursos, prejudicando ainda mais a saúde financeira do FAS. Lembro que os custos crescentes relacionados à assistência a saúde são uma preocupação de todo o mundo ocidental, decorrentes do envelhecimento da população e da contínua incorporação de novas e caras tecnologias em saúde. Em relação ao envelhecimento, estimativa do IBGE sugere que até 2050 a pirâmide etária nacional será similar a da França hoje, com mais idosos portadores de doenças crônicas sendo sustentados por cada vez menos jovens (lembrando que o perfil demográfico gaúcho apresenta mais idosos do que a média nacional). Novas tecnologias em saúde, ao contrário dos demais setores da economia, agregam novos custos ao invés de diminuí-los, gerando a chamada “inflação médico-hospitalar”, sempre superior à inflação geral. Em 2015, quando a inflação medida pelo IPCA atingiu 10,7%, a inflação médico-hospitalar atingiu 19,3%, quase o dobro, segundo o Iess (Instituto de Estudos da Saúde Suplementar). Neste período os servidores públicos gaúchos ficaram com seus salários “congelados”, sem a reposição sequer da inflação, o mesmo ocorrendo com as contribuições ao IPE-Saúde definidas por percentual salarial. Outro fator relevante é a judicialização da saúde, quesito em que o nosso estado é campeão nacional. Esta via é frequentemente utilizada para obtenção de tratamentos sem eficácia ou custo-efetividade comprovados, inibindo os mecanismos de controle de custos. Neste cenário, somente com modificações na legislação vigente que garantam o repasse dos recursos devidos é que será possível enfrentar o vertiginoso crescimento dos custos da assistência à saúde e garantir o equilíbrio financeiro sustentável ao IPE-Saúde.

UG- O poderia esclarecer para o nosso leitor no que consiste o projeto de precificação de medicamentos e porque tanta resistência da categoria médica em aceitá-lo? Em que etapa se encontra este projeto?

Trata-se de cooperação técnica acordada entre o IPE-Saúde e a Secretaria da Fazenda, onde os valores de materiais e medicamentos indenizados pelo IPERGS aos prestadores são comparados com as transações destes mesmos insumos registradas no sistema de nota fiscal eletrônica gaúcha. Este estudo, ainda em fase de validação e desenvolvimento, oferece novas formas de indenizar os prestadores de saúde, podendo eventualmente subsituir o modelo atual, acordado em 2014. Naquele ano ficou estabelecida a adoção, como remuneração de medicamentos pelo IPERGS, do Preço de fábrica (PF ou PFB) da Revista Brasíndice (até então era utilizado o Preço Máximo ao Consumidor – PMC, desta mesma publicação). Houve também a criação de duas taxas, que totalizam 38,23% do valor dos medicamentos na nota de cobrança: “2054 – Complemento de diárias e taxas”  e “2062 – Taxa de logística”. Estas taxas surgiram a partir de dois conceitos amplamente discutidos no Grupo Paritário, culminando no acordo acima descrito:

  1. a) A defasagem das demais taxas e diárias hospitalares vinha sendo compensanda pela diferença entre o PMC e o PF, isto é, entre o índice de preço então praticado pelo IPERGS e o novo índice; desta forma, ao invés de aumentar a diária e demais taxas, acordou-se agregar parte deste valor, mantendo a sua forma de ocorrência (junto ao uso de medicamentos);
  2. b) Se o medicamento for comprado pelo preço de fábrica, haverá custos a serem agregado à sua dispensação, decorrentes dos processos de compra, armazenamento e controle de estoque, perdas etc, os quais devem ser suportados pela entidade financiadora (no caso, o IPERGS).

Para implantação do Projeto PRM – Preço de Referência de Medicamentos – serão necessárias definições e detalhamentos que embasarão as alterações no sistema, possivelmente na estrutura do banco de dados, transações bem como regras de negócio. Após estas definições, deverá ser elaborado um projeto preliminar onde constarão todas as alterações necessárias e o  cronograma para sua implantação no Sistema Médico Hospitalar, sempre lembrando a necessidade de repactuar com os prestadores as regras anteriormente acordadas, garantindo assim a manutenção do atendimento aos beneficiários do IPE Saúde.

UG – São recorrentes as ameaças de descredenciamento de médicos em razão da insatisfação com o valor da consulta paga pelo Esta afirmação é verdadeira? Qual é a relação de credenciamentos e descredenciamentos hoje? Quantos se credenciaram e descredenciaram em 2015 e 2014?

Contamos atualmente com cerca de 7.300 médicos credenciados diretamente ao IPE-Saúde, os quais realizararm mais de 3 milhões de consultas em 2015. Naquele ano houve 319 credenciamentos e 158 descredenciamentos, bem como 241 suspensões de credenciamento por parte do IPERGS (em sua maioria, por não realizar atendimentos nos últimos seis meses). Neste ano já ocorreram 220 novos credenciamentos, com 47 descredenciamentos e 287 suspensões por parte do IPERGS. As suspensões, maiores do que os descredenciamentos, traduzem o desinteresse do profissional médico em atender pacientes através do IPE, porém sem tomar a iniciativa do descredenciamento. Parte deste movimento é natural na carreira médica, onde alguns profissionais diferenciam-se tanto que optam por não mais atender através de convênios. Naturalmente, o fato de o valor da consulta estar congelado há 5 anos tende a tornar o IPE menos atrativo em relação aos demais convênios e planos de saúde. Recompor os valores correspondentes aos honorários médicos sem onerar os servidores públicos gaúchos é o grande desafio desta Diretoria. O recente projeto de credenciamento médico como Pessoa Jurídica, repassando o INSS patronal inexistente nesta modalidade de prestação de serviço, permitiu aumentar em 44,7% o valor atualmente pago pela consulta médica, gerando 140 novos credenciamentos apenas neste mês de agosto.

UG – Como está a implantação da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM)e qual é o impacto dela para o IPE?

A cobrança de honorários médicos através da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) foi adotada pelo IPE-Saúde em junho de 2015, em substituição à antiga Tabela de Honorários e Procedimentos (THP). Naquela ocasião, foi adotada apenas a codificação e nomenclatura da CBHPM, mantendo os valores da THP (emtre 40% e 60% daqueles constantes na nova tabela). O projeto à época era, a partir de 2015, remunerar a plenitude da CBHPM, o que não ocorreu por limitações orçamentárias. Mesmo sem atualizar os valores, a migração da CBHPM para a THP, ao incluir novas formar de codificar e remunerar procedimentos, gerou um acréscimo nas despesas do FAS de R$ 29.227.563,63 nos últimos sete meses de 2015 (impacto dentro do orçado antes da implantação)

UG – Qual a finalidade do projeto de reestruturação do IPERGS e em que fase se encontra?

Com mais de um milhão de beneficiários e cobertura em todo o estado do Rio Grande do Sul, o IPE Saúde responde pela maior fatia do mercado de saúde suplementar gaúcho. Sua importância cresce ainda mais neste momento de grande desprestígio ao servidor público estadual vinculado ao Poder Executivo, há quase dois anos convivendo com a incerteza cotidiana acerca da percepção do mais básico elemento de sua subsistência, acompanhando mês a mês as notícias sobre o parcelamento dos seus vencimentos. A contribuição patronal ao IPE Saúde, ao permitir a assistência à saúde de forma suplementar ao SUS, constitui verdadeiro benefício capaz de tornar um pouco mais atrativa a carreira pública em nosso estado, além de diminuir a sobrecarga ao Sistema Único de Saúde, incapaz de absorver esta carteira de beneficiários, correspondente a 10% da população gaúcha.

Ao completar 85 anos de existência, o grande desafio para o IPERGS  consiste em reconstruir o principio da solidariedade presente na concepção atuarial do IPE-Saúde, onde as maiores remunerações subsidiariam a assistência aos servidores de menor salário. Para tanto, será necessário aumentar a qualidade e a quantidade de serviços de saúde ofertados, garantindo a permanência dos servidores de maior remuneração no IPE Saúde, sem aumentar a contribuição dos servidores de baixos salários. Além de mudanças na legislação atual, este objetivo depende da superação da crônica escassez de recursos humanos e das atuais limitações orçamentárias, bem como da construção de um novo modelo de financiamento para a prestação dos serviços de saúde oferecidos, principal meta a ser desenvolvida ao longo dos próximos anos. O projeto de lei (PL) para  reestruturar o IPE-SAÚDE e o Fundo de Assistência à Saúde – FAS, unificando e aprimorando a legislação atual, inserido no Processo Administrativo 20648-24.42/15-0 e encaminhado à Casa Civil em dezembro de 2015, até hoje não iniciou sua tramitação na Assembleia Legislativa. Ele retorna ao Conselho Deliberativo do IPERGS para nova rodada de debates. Algumas propostas existentes neste PL, visando manter a saúde atuarial do Sistema, bscam sanar as omissões do regramento vigente. Por exemplo, para atender a orientação do Parecer-PGE 14.924, foi reconhecida a facultatividade de ingresso e permanência dos usuários no IPE-SAÚDE. Como consequência lógica e visando a manter o equilíbrio atuarial, no PL foi prevista carência para o usuário que não optar pela sua inclusão desde o início. Também foi possibilitado o desligamento e o reingresso a qualquer tempo, mediante o atendimento das condições estabelecidas. Busca-se, também, corrigir as seguintes distorções do sistema, entre outras:

  1. a) quando ambos os cônjuges ou conviventes forem servidores públicos, somente poderá ser inscrito na condição de dependente do outro aquele que perceba menor remuneração;
  2. b) quando dependente ou optante adquirir a condição de servidor público não será permitida a inscrição ou manutenção no PAC;
  3. c) no caso dos optantes, além dos requisitos já existentes, foi incluída a previsão de necessidade de prévia contribuição por 60 meses ininterruptos.

Para melhor gerenciamento do IPE-SAÚDE, o PL propõe melhor regramento das diversas modalidades de assistência atualmente oferecidas, como o Plano de Assistência Complementar (PAC) e o Plano de Assistência Médica Suplementar (PAMES), além da previsão legal de novas modalidades de coberturas e atualização na metodologia de acompanhamento atuarial.

Mais polêmica foi a proposta de instituir a cobrança de adicional mensal por cada dependente inscrito, observando-se as categorias de coparticipação atualmente existentes, e o princípio da solidariedade (servidores das maiores faixas salariais pagam mais). Esta proposta atende a necessidade indicada em relatório da Assessoria Atuarial do IPERGS, de 01/12/2015, para cobertura de parte do déficit atuarial apresentado nos moldes vigentes do Plano Principal. Entretanto, sua adoção ou não dependerá, fundamentalmente, do debate a ser desenvolvido no próprio Conselho Deliberativo do IPERGS, onde os seus representantes classistas (junto a este Diretor, também de indicação classista) farão o necesário contraponto a eventuais propostas prejudiciais aos servidores públicos gaúchos.

UG – Explique quais são as principais mudanças que impactariam nos planos de saúde e o que muda com a reestruturação?

(Depende do que for deliberado, aprovado e encaminhado conjuntamente pela Diretoria Executiva e Conselho Deliberativo do IPE).

UG – Quais foram os avanços obtidos nessa nova gestão do IPE? Qual ou quais projetos o senhor não abriria mão de implantar no sistema que atende à saúde de um milhão de gaúchos?

Após quase 10 meses à frente da Diretoria de Saúde do IPERGS posso identificar o maior desafio a ser superado: o número de funcionários vinculados a esta Diretoria, já insuficiente para a prestação de serviços com a qualidade desejada e merecida pelo servidor público, reduz-se continuamente. Comparando com os números do mercado de convênios, possuímos hoje 44 vezes menos (!) servidores por beneficiário do que as maiores operadoras privadas de saúde. Mais do que justificar as nossas deficiências, este dado demonstra o valor dos poucos dedicados servidores que realizam um trabalho apaixonado de diuturna superação. Não obstante, a ausência de reposição dos cargos vagos existentes, motivada por decreto governamental, dificulta muito a realização do maior projeto deste Diretor: a mudança no modelo de assistência e remuneraçaõ do IPE-Saúde.

Com atuação exclusivamente curativa e centrada no tratamento hospitalar, o modelo atualmente praticado induz ao foco no volume de atendimentos e na maior margem de comercialização de insumos como forma de obtenção de resultados, gerando elevados custos administrativos tanto para os prestadores quanto para os financiadores. Além de desperdiçar recursos, não atende adequadamente as necessidades dos principais interessados deste sistema, os beneficiários do IPE-Saúde, por não considerar a qualidade da assistência prestada. Ao contrário, trata-se de um modelo perverso, que remunera da mesma forma o bom e o mau prestador, eventualmente ‘premiando” um procedimento mal executado com a sua necessária repetição (e nova remuneração).

Neste contexto, a discussão em torno da remuneração dos insumos promovida pelo projeto PRM, bem como o agravamento da crise financeira do Rio Grande do Sul, tornam mais prementes a mudança do modelo vigente. Ao incluir critérios de qualidade na remuneração dos serviços em saúde, diminui-se o desperdício dos escassos recursos.

Concomitantemente, o desenvolvimento de ações preventivas e de cuidado a portadores de doenças crônicas é outro projeto a ser desenvolvido. A prevenção devolve ao sistema cada real investido na sua execução, ao tratar precocemente as doenças e minimizar complicações, podendo ser justificada apenas pela dimensão econômico-financeira. Porém, mais importante do que a economia gerada ao evitar dispendiosos tratamentos tardios, estas ações justificam a existência do IPE-Saúde, melhorando a prestação dos serviços públicos através da garantia da melhor saúde ao servidor público gaúcho.

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