“Imbróglio” do mínimo

O primeiro grande embate do governo de Dilma Roussef com o Congresso Nacional e as chamadas “forças vivas” da sociedade acontece envolvendo a fixação do valor do salário mínimo válido para 2011.

A “queda de braço” gira, de forma quase maniqueísta, em torno de mais R$ 5 ou R$ 10 ou R$ 35, como se estas cifras fossem resolver as mazelas da Nação subdesenvolvida, carente e desigual.

Toda e qualquer decisão, inclusive a manutenção do texto já constante na Medida Provisória (MP) n°. 516, em vigor desde 1° de janeiro deste ano (R$ 540,00), será, como tem sido ao longo dos últimos tempos, uma desobediência inequívoca à Carta Magna brasileira.

No Capítulo II, dos Direitos Sociais, da Constituição da República Federativa do Brasil, está determinado que o salário mínimo é um dos “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (Art. 7°)”.

O Texto Maior definiu o que seria este salário mínimo como o valor “fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Alguém imagina, de sã consciência, que R$ 540, R$ 545 ou R$ 580 atendem às necessidades básicas dos trabalhadores, incluindo as de sua família, no que diz respeito à “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”?

O nosso salário mínimo surgido em meados da década de 30, através da Lei n° 185, de 14 de janeiro de 1936, segue sendo um dos mais baixos da América Latina.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que, apesar dos aumentos reais sucessivos, o poder de compra do salário mínimo no Brasil ainda é um dos piores da região. Entre 24 países pesquisasdos, a nossa menor remuneração é a 16º na lista (com poder de compra equivalente a US$ 286, com os dados do final de 2009), sendo inferior, por exemplo, à paga aos trabalhadores de Honduras, Paraguai e El Salvador.

Numa situação ideal, de cumprimento estrito da determinação constitucional, o valor do salário mínimo brasileiro, em dezembro de 2010, deveria ser de R$ 2.227,53, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

É óbvio que num país que luta contra o desequilíbrio orçamentário, que busca de forma denodada o ajuste fiscal, não se poderia chegar logo, nem num médio espaço de tempo, a este patamar.

Sempre há que se pensar, e com isto joga o governo, nos impactos resultantes do aumento do salário mínimo, em especial, na contas da previdência social e nas folhas de pagamento das prefeituras municipais.

A Confederação Nacional dos Municípios já está estrilando. Se o salário mínimo for reajustado para R$ 545, como anunciou o ministro da Fazenda, a partir de 1º de fevereiro, os municípios terão um impacto de R$ 1,3 bilhão nas suas folhas de pagamento.

Na previdência administrada pelo INSS, dos pouco mais de 28 milhões de benefícios emitidos em dezembro de 2010, exatos 18.675.060 brasileiros recebiam o valor de um salário mínimo de aposentadoria, pensão ou outro benefício.

Isto representa que cada R$ 1 de aumento ao mínimo impacta em cerca de R$ 250 milhões ao ano nas contas do sistema, no lado das despesas. Não há dados fidedignos de quanto seria elevada a arrecadação com o aumento, mas estima-se que o impacto positivo somente seria mais expressivo em outras áreas, como a tributação sobre o consumo, já que a maioria expressiva do assalariado formal percebe pisos salariais acima do mínimo.

Mesmo assim, há um debate que inclusive fez o ex-presidente Lula criticar as centrais sindicais, pois em seu governo foi aprovada uma regra que prevê a reposição da inflação do ano anterior e aumento real com base na variação do Produto Interno Bruto de dois anos antes.

Os sindicalistas brigam por aumento real para o mínimo, elevando-o para R$ 580, mas o governo parece que deve “bater o martelo” e substituir tão somente a MP n° 516 por outra com a elevação para R$ 545 e mantendo a regra já aprovada no governo Lula, em comum acordo com as centrais que estabelecia a política de valorização do mínimo até 2023.

Como forma de avançar nesta discussão e minimizar as tensões, o Planalto prepara um projeto de lei que prevê a manutenção da atual regra somente até 2014, revisando o decidido em 2010.

No Congresso, apesar da potencial maioria expressiva da base governista, os debates prometem esquentar. Mas mesmo que excedam o determinado pelos palacianos, ainda resta ao governo o “poder da caneta” para o veto aos exageros. Mesmo que continue descumprindo a Constituição!

(*) jornalista, auditor fiscal da RFB, diretor de Direitos Sociais e Imprensa Livre da Associação Riograndense de Imprensa, de Seguridade Social e Justiça Fiscal do Sindifisco Nacional, da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social e presidente do Sindifisco Nacional em Porto Alegre.vilsonromero@yahoo.com.br

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